quarta-feira, 30 de julho de 2014

TÃO FAZENDO CHOVER NA FAZENDA...

Passados noventa dias de nosso ingresso na ordenha, não há como reclamar de tudo que já vivemos e por tudo que já erramos. Por tantas tentativas, insistindo em algumas convicções, dá para dizer que acertamos uma boa parte. Dos erros nasceram belas lições. Impossível não dar crédito as muitas pessoas que ouvimos e não dá pra dizer que a internet não serviu para nada. Foi por ela que lemos e assimilamos grandes orientações de especialistas na área, sem que gastássemos um tostão.

Realmente, considerando a rapidez do aprendizado, concluímos que só não sabe quem não quer, pois nada entendíamos deste ramo tão complexo. Fomos, gradativamente, aprendendo uma coisa a cada dia e conscientes que há ainda muito por saber.  Com o que já executamos não se poderia esperar resultados melhores. Acho que a humildade de escutar atentamente foi um fator relevante no negócio, aliás, ainda continuamos a ouvir quem se presta a nos dar conselhos.

Vejam o caso da produção de leite. Começamos com 45 mil litros mensais e atualmente chegamos aos 60 mil litros com o leite mantendo a qualidade inicial. Ao mesmo tempo reduzimos a despesa de alimentação do rebanho em 20% quando implantamos um plano nutricional e passamos a evitar o desperdício de comida.

O nosso grande problema atual é o Intervalo entre Partos, mas para quem já sabe que isto é um problema já é meio caminho andado. Nosso intervalo, atualmente, está em quase 190 dias. Para quem já está acostumado ou quem tem um intervalo muito longo, sabe perfeitamente que isto é consequência de ineficiência completa na inseminação. Temos na propriedade um funcionário treinado e encarregado desta função. No entanto ele não trabalha lá só para isto, pois tem todas as tarefas diárias, junto com os outros, no manejo do rebanho e nos  procedimentos da ordenha. Então, reconheçamos que o sujeito não vive o tempo todo espreitando as vacas para cuidar do cio.

Por estas e outras, estamos adotando, a partir de agora, o sistema de Inseminação Artificial de Tempo Fixo (IATF) e esperamos que uma centena de vacas vazias e novilhas peguem barriga. A intenção é inseminar umas vinte por mês, pois nos preocupa, mais tarde, uma avalanche de partos em só mês. Teoricamente, dentro de um ano, queremos ter mais umas 70 vacas em lactação que, somadas às atuais, representará futuramente um aumento substancial na produção de leite. Temos esperança (sempre a última que morre) de alcançarmos em doze meses algo em torno de 120 mil litros de leite mensais.

Uma holandesa dizia a sua bezerra quando passávamos perto de uma baia:

- Filha, tá vendo aqueles dois? Tão fazendo chover aqui na fazenda!   

domingo, 22 de junho de 2014

ENTRE TAPAS E BEIJOS...

Um beijo carinhoso entre nossas novilhas 


Se você, numa fazenda, tem empregados desanimados e sem vontade de trabalhar, não espere que contratando um consultor para dar palestras motivacionais, vai resolver o problema. Primeiro que vão dizer que isto é coisa de boiola e são bem capazes de dormir durante a palestra. Desmotivação de empregados no ambiente rural se resolve com benefícios, salários em dia e barriga cheia, esta é a verdade.

Temos empregados que moram na fazenda, correndo por nossa conta a moradia, luz, água e alimentação. Quer dizer, o salário vem limpinho, quer coisa melhor? No refeitório, mais um grande incentivo, temos dois freezers com 200 quilos de carne da própria fazenda. No pomar, frutas a vontade pra sobremesa. Por aí dá pra ver que damos a eles muito mais que muitas empresas, ainda mais considerando que estamos no meio do mato. E mesmo assim, tem peão que pede as contas. Apesar do custo, vale a pena o investimento e ter gente morando por aqui significa segurança para a propriedade. Mas tem também as suas mazelas...

Uma das empregadas da fazenda estava jateando com água o piso externo da ordenha, quando, sem querer ou não, ainda não sabemos, deu uma jateada de água na cara de uma colega, a qual passava pela calçada.

Foi o suficiente pra “fechar o pau” na fazenda.  Enroscaram-se no tapa e no puxão de cabelo e se foram ordenha a dentro assim desse jeito. A coisa foi feia, algo como uma luta de 3 rounds sem vencedoras, mas foram apartadas pela peonada antes que houvesse um nocaute, sob as vaias das vacas que queriam ver mais pancadaria. Sem mortas nem feridas, as duas apertaram as mãos após o combate, como manda o “fair play” rural...

Como não temos Diretor de RH, chamamos ambas para um canto e demos um cartão amarelo para as moças. É claro, como foi a primeira vez que acontece, resolvemos dar uma segunda chance esperando que não mais se engalfinhem. E toca a bola pra frente que, dos problemas que temos, este foi o menor.

No post anterior comentei que as coisas estavam melhorando e realmente estão, mesmo que devagarinho. Nosso volume, quando começamos, ia por volta dos 45 mil litros mensais. Dois meses depois, com algumas modificações na nutrição dos animais e com o ingresso de algumas que pariram recentemente, a produção mensal está em 50 mil litros. Por outro lado, houve também uma economia na provisão de alimentação para o rebanho com uma redução de 13% no custo. Nosso leite também recebeu um plus no preço por litro já que os níveis exigidos pela BRF Foods tiveram uma melhora. Pra quem não sabe, o preço do litro melhora quando melhora também a qualidade do leite, suas proteínas, sua gordura, sua solidez, etc.


A qualidade do leite significa, acima de tudo, que o rebanho, entre tapas e beijos, está ficando mais saudável. 

CHEGA DE CORPO MOLE...

Por falar em horizonte, olha o pôr do sol da nossa fazenda, vista da área de lazer da casa da patronagem. Dá pra ver as botas do meu sócio descansando enquanto eu trabalho...


Recebi um e-mail de um produtor de Uberlândia-MG, elogiando principalmente a sinceridade contida no blog e deu ênfase a nossa pretensão de transformar uma ordenha em empresa, coisa que, na opinião dele, pouca gente consegue. Colocou-se ele à disposição com a sua experiência de 30 anos neste ramo. Ora, para nós que temos 90 dias desta mesma experiência, pode estar certo ele que vamos pedir muitos conselhos. Ele tem curiosidade de saber algumas coisas do nosso plantel, vacas em lactação, etc., essas coisas, que só nós e ele que “somos colegas” do ramo sabemos...
Então aí vão algumas coisas interessantes:
SITUAÇÃO DO PLANTEL – VACAS HOLANDESAS
REGIME ATUAL
QUANTIDADE
PRENHAS
EM LACTAÇÃO
78
45
VACAS SECAS
30

NOVILHAS PRENHAS 1º PARTO
12

NOVILHAS A INSEMINAR
42

NOVILHAS EM CRESCIMENTO
50

TOURO
2

TOTAL DO REBANHO
214


O equilíbrio destes números, que ainda tentamos decifrar, ficou bem mais distorcido depois que fizemos a venda, conforme recomendação dos profissionais que nos assessoram, de vacas velhas, com problemas crônicos de mastite¹, cascos detonados² e com produtividade abaixo da crítica. Além de qualificar o leite, deu para fazer um bom dinheiro pra pagar a comida da bicharada por um tempinho. Reduzimos também, com o descarte, o manejo da peonada.
Se a gente for fazer as contas direitinho, considerando que uma vaca come quase 50 quilos de silagem e ração todo o santo dia, tem mais é que vender o que não serve e dar comida conforme o que produzem. E é neste horizonte que estamos indo...

Uma vaca, classificada no último lote (temos quatro lotes) de produtividade, se “antenou” que vai comer menos a partir de agora e disse a sua colega:
- Bah, chega de corpo mole. Vou descer mais leite pra não morrer de fome...

1    1   Mastite – Inflamação da glândula mamária das vacas
2     2   Cascos – afecções diversas nos cascos da vaca

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sábado, 21 de junho de 2014

A TAL FORMIGA NO CANZIL...

Aqui está a tal formiga...


No meio de uma ordenha e do trato com as vacas, certas coisas a gente vai aprendendo no acidente ou com o tempo. Não adianta querer saber tudo sem que as ocasiões apareçam. Falo isto porque certas palavras, ou métodos deste ramo, soam, a primeira vista, como uma linguagem alienígena. E é melhor perguntar logo o que é aquilo, por mais idiotas que pareçamos, do que ficar “boiando” no assunto.

Assim foi, na baia de uma novilha, quando o veterinário, que tentava imobilizar a bichinha para passar a fita de calcular o peso, precisou de ajuda e pediu para o meu sócio pegar a “formiga” que estava pendurada no canzil. Ora, é claro que ele se fingiu de surdo,  na esperança que o veterinário apontasse a tal formiga que estava no tal canzil. Ao mesmo tempo, o meu sócio me olhou com aquele olhar de súplica tentando passar a responsabilidade pra mim e eu fiz que não estava nem aí. Afinal, se pediram pra ele, ele que se virasse em atender.


O veterinário, educadamente, vendo que estava diante de duas antas, resolveu ele próprio pegar a ferramenta que estava nas ferragens que separam o gado para comer. A formiga, pra quem não sabe, é um tipo de alicate que os peões usam nas narinas do gado para imobilizá-lo e o canzil é o nome dado a cada dos dois ferros entre os quais a vaca mete o pescoço para comer no cocho. 

Mas, mesmo com estas  mazelas, depois do descarte de algumas vacas velhas e pouco produtivas e com o ingresso de algumas novilhas em lactação, a coisa tem melhorado. O volume do leite, assim como a sua qualidade, mostram crescimentos. Sinal que alguns resultados começam a aparecer...

Um boizinho de 4 meses, criado para um churrasco futuro dos peões, diz o meu sócio, comentou, para a nossa alegria, o seguinte:
- Morrerei e sei que não verei tudo, mas tô me surpreendendo com estes dois caras...

sexta-feira, 20 de junho de 2014

GANHANDO A SIMPATIA...

No mês passado, durante quase meia hora, na força do braço, quatro peões tentavam tirar da vaca um bezerrinho que estava metade pra dentro e metade pra fora. Um parto complicado que resultou, infelizmente, na morte da cria. Foi algo que não queríamos ter visto, mas que seremos obrigados a aceitar como parte do oficio. De qualquer forma, isto nos despertou sobre algo muito importante chamada Taxa de Mortalidade. Afinal, se o primeiro parto que vimos foi uma desgraça, ficamos curiosos para ver qual era o grau desta ocorrência.

Nunca confie plenamente no que dizem seus empregados, porque, por melhor boa intenção que eles tenham, não serão informações baseadas na ciência e sim na prática. E a prática, sabemos que, por si só, tinha deixado aquele negócio na pindaíba que estava. Quando perguntei a um dos peões se aquilo era normal, disse-me ele:
- De vez em quando acontece...

Então, sempre que um empregado lhe disser que “de vez em quando acontece”, não fique chupando o dedo e vá atrás de uma resposta melhor.

Assim, por mais mal que eu tenha falado dos cadernos orelhudos que havia no escritório, foi para eles que eu recorri para diagnosticar a encrenca, pois lá estavam anotados todos os nascimentos, datas, se eram fêmeas ou machos e etc. Em verdade, se eu juntasse todos estes elementos dispersos e os classificasse, teríamos então resultados plausíveis.

E, em menos de meia horinha olhando os garranchos, tivemos um resultado que nos deixou borrados de medo. Nada mais, nada menos do que 20% de taxa de mortalidade reincidente há três anos, isto é, desde 2012  a propriedade enfrentava este índice.

Mas com todo o respeito, puta que nos pariu, isto era dose pra cavalo...

As causas são tantas, mas a disposição de ter consequências menores é muito maior. Deixar com que as vacas, neste clima frio e chuvoso, tenham suas crias no meio do campo é algo inadmissível. Deixar estas crias guardadas em baias infectadas e sem uma limpeza adequada é outra coisa difícil também de aceitar. O veterinário terá que ter, certamente, uma grande participação na redução deste problema.

Se já tínhamos um intervalo entre partos longo demais, agora esbarramos numa calf mortality¹ de arrancar os pentelhos.

Então, lá na cerca do piquete, uma holandesa bonachona, me disse:
- É isso aí rapaz, vocês já começaram a ganhar a nossa simpatia...  

1 Calf mortality - termo que os consultores da área gostam de usar ao invés de dizer mortalidade da bezerrada

OS TROUXAS ESTÃO SEMPRE NAS ESQUINAS...

Depois de trancada a porteira da fazenda,  e sem engarrafamentos, a ruazinha principal voltou à tranquilidade...À direita, o pomar.


Uma coisa é certa. Todos aqueles vendedores que adentram a porteira da tua fazenda não vêm pra fazer caridade. Pelo contrário, querem sair com lucro e tirar o teu fígado. Nada contra, pois estão, simplesmente, fazendo a parte deles. É a lei da selva e você tem que espernear para não ser a gazela. Quando começamos neste negócio tinha até engarrafamento de fornecedores na ruazinha principal da fazenda. A grande maioria, algo assim como 99,9%, queria comer a tua mãe, mas inventava mil desculpas pra não dar pro teu pai...

Às vezes, nas empresas, precisamos tomar uma só medida radical para acabar com problemas crônicos e a tomamos mesmo numa só tacada. Trancamos a porteira.

Numa ordenha, assim como numa empresa, precisamos racionalizar os métodos e isso inclui, evidentemente, ter poucos parceiros, isto é, quando a parceria ela existe e é boa para ambos.

Falo isto porque aprendi com a vida que uma empresa compradora costuma chamar, depois de algum tempo de relação, o seu fornecedor de parceiro. E isso nem sempre é recíproco, porque se o comprador for sempre um Chapeuzinho Vermelho, o vendedor, o tal parceiro, automaticamente se transforma no Lobo Mau. Nunca esqueçamos que os espertos existem porque os trouxas estão nas esquinas.

Assim foi exatamente o que aconteceu com o nosso principal fornecedor de rações, aliás, a maior das nossas despesas mensais. Os caras eram “parceiros” antigos e descarregavam toneladas de rações aqui. Ora, bastou que pesquisássemos o preço da mesma ração em outros fornecedores para obtermos uma redução de 20% no custo.


Hoje contamos com um novo fornecedor, mais próximo geograficamente, que nos abastece conforme a demanda e com menos custo de frete embutido. Temos ainda, às expensas dele, um veterinário à disposição. A despesa mensal, obviamente, levou um tranco. A este fornecedor, fomos claros, dissemos que ele será um grande parceiro se mantiver os bons preços e que estaremos sempre de olho nos preços dos concorrentes.

É óbvio que ainda não sabemos tudo e é claro também que ainda estamos sendo o Chapeuzinho de alguns, mas o tempo, esperamos que seja curto, é o maior advogado de todas as causas...

quinta-feira, 19 de junho de 2014

NÃO VAI DOER NO RABO DELES...

A imagem mostra um pequeno lote de diversas aves no galinheiro.

Em nada nos afetou as manifestações da turma do galinheiro, insatisfeitas com o genocídio dos galos. Depois de enchermos os cochos com boa comida, calaram-se as lideres e pudemos continuar a nossa missão impossível. Sinal que com comida de graça no prato do povo se consegue muitos milagres. Bem, voltemos às vacas frias...

Finalmente tivemos uma reunião com a equipe veterinária que cuida do rebanho. Nestas alturas, já detectadas algumas das nossas grandes encrencas, foram bem convenientes as  informações gerais da situação do rebanho. O relatório nos trazia preciosas informações e nos alertava para a correção de muitos problemas. Até então, nem sabíamos o que era IPC, aliás, nem esta nem outras tantas siglas relativas ao ramo. Pois bem, este tal IPC que deveria, pela ciência do negócio, ter entre 80 e 100 dias, no nosso caso tinha o índice de 197 dias, o que era uma prova de verdadeira inabilidade com a reprodução e o futuro do rebanho.

Explicação técnica: Uma vaca, pela lógica da lucratividade, deve estar prenha e produzir leite durante 305 dias do ano, quando então é afastada da produção durante 60 dias para o parto. Neste período diz-se que a vaca esta "seca". Vaca para ser boa de leite tem que ter um bezerro por ano, esta é a realidade. Depois do parto ela retorna à produção, sendo inseminada em seguida. Então, IPC significa Intervalo de dias entre o Parto e a Concepção. Quanto menor este intervalo mais rende a vaca em produção e em menos tempo temos outro bezerro. Quanto mais cedo ocorrer a concepção, menor o intervalo entre os partos e maior a eficiência reprodutiva do rebanho.


As causas do nosso desastroso índice apontavam culpados de todos os lados, mas naquelas alturas do campeonato, nem adiantava achar que a gestão anterior ou este ou aquele fator deviam ser condenados. Afinal, quem casa com a viúva que trate de cuidar também dos filhos. 

Mesmo quando você determina uma tarefa para um peão, define uma data para cumpri-la e ainda fixa esta ordem no mural de aviso, de modo que o papel esteja na frente da sua cara todos os dias, ainda assim é bem capaz do sujeito esquecer. Imagina então quando você deixa a seu livre critério executar esta tarefa. Assim, sem muito lero-lero, é que as datas de inseminação iam sendo esquecidas. Pra se ter ideia da negligência, tínhamos muitas novilhas de até 28 meses que ainda não haviam sido inseminadas. Com esta idade, as novilhas já estão passeando no shopping com o seu bezerrinho. Mas as nossas ainda eram virgens...

A lógica sempre será a mesma, independente da empresa que for. O chefe determina a ordem e o prazo e depois passa para cobrar. Já o chefe bonzinho, o qual os subordinados tanto veneram, não faz nem uma nem outra e a coisa vira uma zona...

Nada como ter indicadores de eficiência e de qualidade. Sem eles, qualquer ação faz a merda feder mais ainda. Este nosso primeiro índice, o IPC, nos mostrava que nenhuma solução relativa ao rebanho viria a curto prazo. Uma coisa era certa, teríamos que transformar esta fazenda numa maternidade de grande rotatividade.

Uma novilha que estava prenha há 2 meses, ao esticar a orelha para ouvir a nossa conversa, sussurrou para uma coleguinha:
- Fácil, né? Não vai doer no rabo deles...        


As imagens acima e ao lado mostram o mais novo bezerrrinho da casa. Nasceu meio que perdido no campo e ganhou uma carona de carrinho